terça-feira, 9 de junho de 2009

POR QUE SOU A FAVOR DO ABORTO

Sim, vamos abortar o tabu.
Carminha, de 14 anos, sozinha, sai da igreja, numa quinta-feira de inverno. Sua casa fica a seis quadras da igreja. As casas pelo caminho estão fechadas. As famílias se recolhem cedo e agasalham-se com medo do frio.
Carminha segue. De repente, a menina é atacada por dois rapazes que ocupam um carro. Ela é levada para um local afastado e violentada. Doze horas depois, ainda atordoada, Carminha é encontrada e levada ao hospital.
Ela foi estuprada, diz o médico plantonista.Carminha está grávida. Seu físico franzino, sua cabeça de adolescente e seus conceitos religiosos conspiram contra. O médico, com todo o cuidado e paciência, de forma lenta vai informando os pais.
Ele orienta a família, por razões de saúde da menina, a preparar o aborto. O médico explica que Carminha está debilitada física e psicologicamente. Ser mãe agora, diante de tal circunstância não perecia ser a melhor coisa para Carminha. E você, no lugar dos pais dela, o que faria?
Aborto é uma palavra que causa espanto, medo e preconceito. Os que se posicionam contra, sempre alegam que o aborto é um assassinato. Os contrários, quase que em regra geral, abominam a idéia de se permitir o aborto.
De certo modo, eles também abortam algo. Abortam a discussão fria, racional, séria e desprovida de conceitos religiosos. Eles abortam a idéia de um debate livre, sério e acima de tudo voltado para o entendimento.
O tema é polêmico e complexo. Os religiosos não se permitem a uma discussão do ponto de vista social, de saúde pública. Acha? Eles chegam a dizer que aborto é coisa do diabo. Abominável, ou melhor, abortável, tal idéia.
O assunto precisa ser debatido sob a ótica da ciência, do ponto vista social. Ninguém aborta e fica feliz por isso, o assunto e os envolvidos diretamente, em hipótese alguma podem ser tratados religiosamente.
Não vale apelar para a tradição judaica, a lei mosaica e os costumes da época, para reprimir a idéia do aborto.
Aliás, um texto interessante sobre o tema pode ser encontrado em Êxodo 21:22: “Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida,e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme que lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes”. Ou seja, mesmo que houvesse o aborto, a pena máxima seria uma multa.
No caso de morte da mulher, porém, a pena era agravada com a morte do causador. O texto dispensa a usual hermenêutica, visto que é claro.
Se houvesse o aborto, o causador seria apenas multado. Ora, a discussão sobre o assunto precisa ser amadurecida na igreja.
As igrejas apontam o pecado e a condenação. Neste caso, o que os pais de Carminha deveriam fazer?
Na igreja, como era esperado, o pai foi orientado sobre o pecado do aborto. O pastor disse que se autorizar o aborto, o pai irá direto para o mármore do inferno.
Sobre as questões sociais que envolvem o tema, o pastor se nega a discutir. Assim como não se discute na igreja o uso de preservativos. Também é proibido falar em aborto, drogas e rock’in roll.
Aqui só discutimos bíblia, diz exaltado, o pastor.Não estamos falando sobre eugenia e nem conceitos malthusianos. Falamos de vida.
Neste contexto, não podemos visar apenas à vida do feto. A vida da gestante, vida consciente, por sinal, precisa ser discutida.
Se não se faz o aborto, a gestante morre ou carrega um trauma pelo resto de seus dias. Ou não temos casos assim?
Há casos em que a gestante não foi estuprada, porém a gravidez, embora desejável, oferece risco de morte para a gestante. Se a gestante é sua filha, qual seria sua conduta?
No caso de Carminha, uma jovem frágil, vítima de uma violência sexual que lhe trouxe a gravidez indesejada, o que fazer? Ela deve seguir em frente e para o resto de sua vida, conviver com a conseqüência de uma violência que sofreu?
Não responda agora, pense, reflita.
A questão do aborto não exige um simples posicionamento, do tipo, contra ou a favor. O assunto requer uma reflexão mais profunda, isenta e livre de nossos pré-conceitos.
Livre de um pensamente meramente religioso.

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